Checamos o discurso pró-família de Kennedy Nunes

                                                                                    Reprodução de vídeo/Facebook

Na guerra “em defesa da família” que o deputado evangélico Kennedy Nunes (PSD) declarou em seu Facebook, reforçada durante a campanha à Alesc, ele escolheu quatro alvos: aborto, pedofilia, ideologia de gênero e drogas. Nós checamos declarações nos vídeos em que ele se posiciona contra a descriminalização das drogas e do aborto e, da mesma forma, rejeita a influência cultural no conceito de gênero e argumentos científicos sobre pedofilia

PEDOFILIA | “Existem agora algumas pessoas dizendo que a pedofilia é uma opção sexual. Agora vem a televisão dizendo que a pedofilia é uma patologia; uma doença; Pra mim pedofilia é crime”. - Kennedy Nunes

A assessoria do candidato apontou duas opiniões de especialistas que basearam a afirmação do candidato. As duas foram verificadas. Para melhor entendimento, vamos separar a declaração em duas partes:

1) Existem pessoas dizendo que pedofilia é uma "opção sexual"?



Em um vídeo gravado em uma palestra do Tedx na Alemanha, em maio, a estudante de medicina Mirjam Heine disse que a pedofilia é uma "preferência sexual por crianças pré-adolescentes", mas que nem todo pedófilo cometerá o abuso, "que é ilegal e deve continuar sendo", ressaltou. 

Ela disse isso enquanto falava sobre as diferenças entre pedófilos e abusadores. Segundo Heine, estudos mostram que apenas entre 20% e 30% dos abusadores sentem-se atraídos exclusivamente por crianças, sendo classificados como pedófilos - a maioria, que também sente atração por adultos, não se enquadra nessa classificação. 


O outro caso que o candidato usa como referência aconteceu no parlamento canadense, em 2011. Convidado a opinar na tramitação de um projeto de lei que alteraria o Código Penal daquele país, endurecendo penas para quem cometesse crimes sexuais contra crianças, o psicólogo Dr. Hubert Van Gijseghem afirmou que a pedofilia é uma "orientação sexual quase exclusiva por crianças pré-púberes [que não atingiram a puberdade]".

"É claro que mesmo um indivíduo cuja orientação sexual envolve uma preferência quase exclusiva por crianças pré-púberes pode permanecer casto ou abstinente. De fato, isso foi visto entre alguns membros do clero católico. A castidade existe, mas para a grande maioria dos pedófilos, o risco de agir é muito mais alto do que para outros criminosos sexuais. E neste caso eu me referiria a abusadores intrafamiliares como um exemplo, como meu colega fez", disse o psicólogo, ao ser questionado por um parlamentar, que havia feito pergunta semelhante a outro especialista que estava na sessão.

O depoimento do psicólogo está transcrito na íntegra no site do Parlamento do Canadá. 

2) A televisão está dizendo que a pedofilia é uma doença?



A televisão está correta em informar que pedofilia é uma doença porque ela é classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um transtorno da preferência sexual. Pedófilos são adultos que têm preferência por meninos ou meninas, do mesmo sexo ou diferente, geralmente antes deles atingirem a puberdade ou logo no início dela. 

Com base nisso, a GloboNews informou, em junho, que "a pedofilia é uma doença que não tem cura, mas tem tratamento". Mesmo ouvindo médicos e pacientes, o vídeo da reportagem foi ridicularizado em sites conservadores por compará-la ao alcoolismo, uma doença crônica. No Twitter, por exemplo, o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro, filho do candidato à presidência Jair Bolsonaro, distorceu: "Rede Globo defende que pedofilia é doença".



A lei brasileira considera crime a relação sexual ou ato libidinoso praticado por adulto com crianças menores de 14 anos. O Estatuto da Criança e do Adolescente também criminaliza a compra ou posse de vídeos e fotos que reproduzam cenas de sexo com eles.

IDEOLOGIA DE GÊNERO | "[...] gênero é genética, não é influência social". - Kennedy Nunes.

No dicionário Aurélio, "gênero" é a forma como se manifesta, social e culturalmente, sob a ótica da antropologia, a identidade sexual dos indivíduos. Em um estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o conceito é descrito como "uma categoria de análise social e, assim como a sexualidade, é concebida como uma produção da cultura”.

Procurada, a assessoria do candidato disse que “a palavra gênero está ligada a genética humana do indivíduo nascer homem ou mulher” e que sua afirmação sobre a “influência social é a opinião dele acerca de um indivíduo que nasce geneticamente um homem não pode se tornar geneticamente uma mulher e vice e versa”.

Mas, na genética, as categorias de macho (cromossomos XY) e fêmea (cromossomos XX) estão dentro do conceito de “sexo”, não de “gênero”. E o próprio “sexo” também é visto de forma mais ampla por estudiosos. Um estudo da PUC-Rio informa que "apesar de existirem autores que defendem a determinação do sexo baseando-se em critérios apenas de ordem biológica, já há muitos anos, a maioria da doutrina defende a conjugação de inúmeros fatores para a sua determinação". 

"Vários são os fatores que influenciam na determinação do sexo de um indivíduo, notadamente os de ordem biológica e os psicossociais", diz o estudo.

O mesmo estudo informa ainda que, para o pesquisador Alexandre Miceli, “um início de possível conceito de sexo é dado pelos psicanalistas que, de um modo geral, entendem que sexo resulta do equilíbrio dinâmico de fatores físicos, psicológicos e sociais.”

DROGAS | “Esse comércio movimenta em torno de 15 bilhões de reais só no Brasil”. - Kennedy Nunes




Um estudo da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados estima que o mercado de drogas no Brasil movimente por ano R$ 5,69 bilhões com maconha (R$ 6,68 bilhões, se fosse legalizada), R$ 4,7 bilhões com cocaína, R$ 3 bilhões com crack, e R$ 1,2 bilhão com ecstasy. 


“Um estudo da Universidade Federal de São Paulo mostra que pra cada dependente existem pelo menos 4 pessoas que sofrem de forma devastadora algum tipo de ação e reação do usuário de drogas. Se a gente ‘colocar isso’ na população brasileira, estamos falando quase de 30 milhões de pessoas que sofrem com o uso de droga”. - Kennedy Nunes




O 2º Levantamento Nacional de Álcool e Drogas, feito pelo INPAD, da Unifesp, estimou que “existem na população cerca de 5,7% de brasileiros que são dependentes de álcool e/ou maconha e/ou cocaína, representando mais de 8 milhões de pessoas. Este levantamento também estimou que os domicílios no Brasil são compostos por uma média de 3.5 pessoas. Tendo em vista estas informações, estima-se que pelo menos 28 milhões de pessoas vivem hoje no Brasil com um dependente químico”. 


ABORTO | 86,5% dos brasileiros são contra o aborto. - vídeo do candidato Kennedy Nunes



O vídeo do candidato informa corretamente o resultado de um levantamento do Paraná Pesquisas de dezembro de 2017. Mas esse resultado varia de acordo com o momento e o instituto que faz a pesquisa. Um ano antes, por exemplo, o mesmo Paraná Pesquisas informava que 73,7% dos entrevistados eram contra a legalização do aborto. Em janeiro deste ano, ao Datafolha, um número bem menor de pessoas disseram ser a favor de prender mulheres que abortam: 57% - segundo menor número da série histórica do instituto. 


“ A Universidade Federal de Brasília fez uma pesquisa e das mulheres que provocaram o aborto e grande parte disso, mais de 80%, são mulheres entre 20 e 30 anos, casadas, que já têm um filho, e que são católicas, espíritas ou evangélicas”. - Kennedy Nunes.



Mulheres casadas eram 81% das entrevistadas na pesquisa da UnB e 88% professavam uma religião, mas apenas 64% tinham filhos. Quanto à idade, 69% tinham entre 20 e 29 anos. Como a idade de 30 anos está dentro da faixa 30-34, não é possível saber exatamente quantas tinham 30 - mas a faixa 20-30 não chega a 80%, como diz o candidato.

Checagem - Carlos Henrique Braga

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